04 outubro 2017

Cheiros (parte I)

(este texto foi escrito pela minha irma mais nova)

CHEIROS (Parte I)

Não caíra o Governo de Salazar. Ele simplesmente morrera.
Levei de recomendações de casa para que,  quando chegasse, não contasse nada à Vóvó.
Finalmente os cheiros, caruma, eucalipto, o estrume do gado do vizinho…mas o melhor ainda estava para vir: o cheiro a leite fresco que de certeza ia ter à minha espera.
Era sempre agradável ir para a aldeia.
Adorava os cozinhados da minha avó. Ainda hoje recordo aqueles croquetes de batata (em alguns locais chamam-lhe trouxas de carne), douradinhos e acabados de fazer. Sentia-me uma princesa. A mesa girava à minha volta, ou melhor dizendo à volta dos meus paladares.
Não havia frigorífico, mas havia um compartimento muito fresco e cheio de prateleiras onde se guardavam os alimentos. Não havia supermercado mas sim a Herdade, onde tinha de tudo. Olhavam-me sempre de alto a baixo a fim de admirarem ora os meus olhos, ora o cabelo, ora o tom de pele (pois, a menina tem ido para a praia? – quem é? interrogavam-se – ah, é a mais nova da Lena de Espinho). A Herdade tinha um cheiro muito característico. Nunca encontrei ao longo da minha existência uma miscelânea de cheiros como lá. Era uma mistura de café acabado de moer-sabão clarim-açúcar refinado- bacias de plástico-marmelada-e outros que nunca soube identificar. Aqui também tinha uns maravilhosos rolos de chocolate maciço.
Para mim o dia era dividido em quatro: a manhã onde se respirava a frescura da noite, ao meio do dia com um calor insuportável e do qual nunca fui adicta, o maravilhoso fim da tarde onde às vezes me era permitido regar e podia molhar os pés em água fria sem levar um raspanete, e o anoitecer. Cada parte do dia tinha o seu cheiro. Ao fim da tarde também costumava ir para a cave (chamavam-lhe loja) andar no baloiço que estava pendurado nas traves da casa. Voava até as minhas tranças começarem a bater no tecto...a partir daí abrandava. Era um local bem fresco em contrapartida do calor de verão. Talvez a terra batida ajudasse àquela agradável temperatura.
Naquele tempo não deveria haver salmonelas, pois eu comia as gemadas que queria. Aliás, era uma obrigação a ingestão diária de gemadas.
No dia a seguir à minha chegada, tinha sempre por obrigação de ir às Cavadas, a casa da Fatinha, para me pesar. O objectivo da estadia na aldeia era de aumentar peso. Às vezes ia buscar a Nené a casa para irmos juntas – talvez fosse uma forma dela se distrair.


Era ja noite. Abri o portão, subi a ladeira, e ali estava ela estendendo-me os braços sempre tão carinhosos. Beijou- me. Senti um aconchego enorme naquele roçar de face na face e daquele hálito a maçã.

- Vóvó!!!!! O Salazar morreu!!!

bjs
a.

(para todos os que fizeram parte da minha infância)

26 agosto 2017

a casa dos titios

...quando o meu irmao nasceu, eu deixei de comer, talvez por ciumes, eu tinha apenas 1 anito e pouco A minha tia, que nao tinha filhos, mas tinha uma paciência levada da breca, começou a levar-me lá para casa e quando me entregava dizia: ela comeu e bem! e a minha mãe: nao entendo, ela aqui nao come nada... Foi assim que eu comecei a ir comer todas as noites a casa dos meus tios...

18 maio 2017

as minas de Volfrâmio

O VOLFRAMIO EM AROUCA


A quando da II Guerra Mundial (1939-45), Arouca transformou-se num "El Dorado" português.
Em virtude de haver grandes quantidades de volframio, sobretudo em Rio de Frades e em Regoufe, milhares de pessoas de todo o País deslocaram-se para Arouca, para aqui tentarem a sua sorte.
O volframio era essencial para o fabrico de peças de artilharia e era altamente disputado quer pelos aliados, quer pelos alemaes.
Salazar sempre fez um jogo duplo na exploração e na comercialização do volframio. Portugal não esteve envolvido na II Guerra Mundial devido ao volfrâmio e à manhosa "neutralidade activa", praticada por Salazar.
Em Arouca, Salazar deu concessões mineiras aos ingleses em Regoufe e a 5 Kms de distância, em Rio de Frades, ficavam as explorações dos alemães, chefiados pelo germânico Kurt Dithmer e que era também o representante da empresa siderúrgica alemã Krupp.
Em Arouca, para os dois beligerantes em conflito, apenas interessava extrair o maior nº de toneladas de volfrâmio. Não consta que tenha havido conflitos entre eles, nos encontros ocasionais nas ruas da Vila.
Quer os ingleses, quer os alemães construíram estradas para permitir o escoamento do minério extraído. Construíram também bairros sociais para alojar os mineiros, sendo as condições de habitabilidade dadas pelos alemães muito superiores às concedidas pelos ingleses.
O preço do volframio dependia do curso da guerra. A partir de 1943, sobretudo depois do "dia D" (desembarque na Normandia), as coisas começaram a pender para o lado dos aliados e os preços do volfrâmio começaram a descer. No período de maior procura chegou a vender-se minério a 1.500$00/kilo, tendo descido para 300$00.
No entanto, até esse ano, ganharam-se verdadeiras fortunas, quando se tinha a sorte de encontrar um bom filão.
Como era dinheiro ganho dum dia para o outro, também desaparecia rapidamente.
Cometeram-se autênticas loucuras: acender cigarros com notas, analfabetos compravam canetas Parker para trazer no bolso do casaco com um lencinho, usava-se um relógio em cada pulso, ia-se tomar café ao Porto, de táxi, porque o café em Arouca estava cheio e demorava muito tempo a servir.
Nesse período da guerra fez-se também muita contra-informação, sobretudo em Lisboa, no tocante a carregamento de volfrâmio em barcos. Os navios mercantes eram carregados de pedra, para um determinado destino, avisavam-se os inimigos, os barcos eram afundados e os exportadores ficavam a lucrar verbas astronómicas.
Em Arouca, ficou a memória dum tempo em que os mineiros não quiseram perder a oportunidade de serem ricos por um dia, de dormir em hoteis de luxo com companhia, de cometer extravagancias e maluqueiras de toda a espécie, de gastarem fortunas em jantaradas no Porto, em comprarem fatos bem feitos na Casa Inglesa, em terem aventuras com mulheres e terem gasto somas apreciáveis no jogo.
Neste momento, as concessões mineiras estão abandonadas, as construçoes estão praticamente todas destruídas e as maquinas das lavarias retorcidas.
O "El Dorado" terminou há 60 anos, em Arouca...



As minas de volframio de Arouca constituem património da arqueologia industrial que estão ainda ao abandono a aguardar urgente intervenção.
Rio de Frades e Regoufe são hoje dois lugarejos perdidos nos confins da serra, ambos situados em locais paradisíacos, que constituem um dos mais ricos patrimónios naturais do concelho, a merecer o tratamento adequado, no sentido de perpetuar na memória, um tempo de grandezas e misérias de um povo que aí buscou fortuna e encontrou quase sempre a glória efémera.
No lugar de Rio de Frades podemos ver ainda, em bom estado de conservação as muitas construções edificadas pela Companhia alemã, para alojar os muitos mineiros e também para os escritórios da empresa que durante cerca de cinco anos aí se dedicou à exploração de volfrâmio.
No lugar de Regoufe, para além da minas ainda em bom estado de conservação há todo um conjunto de edifícios que importa preservar, nomeadamente para fins turísticos, mas sempre sem alterar a traça original e preservando os espaços envolventes, para que se não perca a memória e o inestimável património que marcou profundamente a geração que atravessou os anos da Segunda Guerra Mundial.
As construções existentes no lugar de Regoufe, feitas pela Companhia inglesa, são bem mais simples que as edificações alemãs de Rio de Frades, mas, umas e outras merecem urgente intervenção, para que as intempéries e o abandono, façam com que se percam irremediavelmente.

Tio Ze de Macieira


tambem trabalhou nas Minas de Volframio