29 maio 2019

Mães de antigamente

MÃES  DE  ANTIGAMENTE

Coisas que a nossas Mães diziam e faziam...
Uma forma que hoje é condenada pelos educadores e psicólogos, mas funcionou com as gerações anteriores.
Talvez se não tivessem mudado tanto, o nosso mundo estivesse melhor...

 Minha  Mãe ensinou-me a VALORIZAR O SORRISO...
"RESPONDE-ME DE NOVO OU LEVAS NOS DENTES!"
 A Minha Mãe ensinou-me a RECTIDÃO.
"EU ENDIREITO-TE NEM QUE SEJA PRECISO UMA CARGA DE PORRADA!"
 A Minha Mãe ensinou-me a DAR VALOR AO TRABALHO DOS OUTROS...
"SE TU E O TEU IRMÃO SE QUEREM MATAR, VÃO PARA A RUA. ACABEI DE LIMPAR A CASA!"
A Minha Mãe ensinou-me LÓGICA E HIERARQUIA.
"PORQUE EU DIGO QUE É ASSIM! PONTO FINAL! QUEM É QUE MANDA AQUI?!"
A Minha  Mãe ensinou-me o que é MOTIVAÇÃO...
"CONTINUA A CHORAR QUE EU VOU DAR-TE UMA RAZÃO VERDADEIRA PARA CHORAR!"
A Minha Mãe ensinou-me a CONTRADIÇÃO...
"FECHA A BOCA E COME!"
A Minha Mãe ensinou-me sobre ANTECIPAÇÃO...
"ESPERA SÓ ATÉ  O TEU PAI CHEGAR A CASA!"
A Minha Mãe ensinou-me sobre PACIÊNCIA...
"CALMA!... QUANDO CHEGARMOS A CASA VAIS VER ..."
A Minha  Mãe ensinou-me a ENFRENTAR OS DESAFIOS...
"OLHA PARA MIM! E RESPONDE QUANDO EU TE FIZER UMA PERGUNTA!"
A Minha  Mãe ensinou-me sobre RACIOCÍNIO LÓGICO...
"SE CAIRES DESSA ÁRVORE VAIS PARTIR O PESCOÇO E EU AINDA TE DOU UMA SOVA!"
A Minha Mãe ensinou-me MEDICINA...
"DEIXA DE REVIRAR OS OLHOS MENINO! PODES APANHAR UMA CORRENTE DE AR QUE TE VAI DEIXAR VESGO PARA TODA A VIDA."
 A Minha Mãe ensinou-me sobre o REINO ANIMAL...
"SE NÃO COMERES ESSAS VERDURAS, OS BICHOS DA TUA BARRIGA VÃO COMER-TE A TI!"
 A Minha Mãe ensinou-me GENÉTICA...
"ÉS IGUALZINHO AO TEU PAI!"
A Minha Mãe ensinou-me acerca das minhas RAÍZES...
"JULGAS QUE NASCESTE NUMA FAMÍLIA RICA, É?"
 A Minha  Mãe ensinou-me sobre a SABEDORIA DE IDADE...
"QUANDO TU TIVERES A MINHA IDADE, VAIS ENTENDER, MAS JÁ SERÁ TARDE DEMAIS."
 A Minha Mãe ensinou-me sobre JUSTIÇA...
"UM DIA TERÁS FILHOS, E ELES VÃO FAZER CONTIGO O MESMO QUE TU FAZES COMIGO! AÍ VAIS VER O QUE É BOM!"
 A Minha Mãe ensinou-me RELIGIÃO...
"REZA PARA QUE ESSA MANCHA SAIA DO TAPETE!"
 A Minha Mãe ensinou-me o BEIJO DE ESQUIMÓ...
"SE VOLTAS A ESCREVER AÍ DE NOVO, EU ESFREGO O TEU NARIZ CONTRA ESSA PAREDE!"
 A Minha  Mãe ensinou-me CONTORCIONISMO...
"OLHA SÓ ESSA ORELHA! QUE NOJO!"
 A Minha Mãe ensinou-me  DETERMINAÇÃO...
"VAIS FICAR AÍ SENTADO ATÉ COMERES A COMIDA QUE TENS NO PRATO!"
 A Minha Mãe ensinou-me habilidades como VENTRÍLOQUO...
"NÃO RESMUNGUES! CALA ESSA BOCA E  DIZ-ME POR QUE É QUE FIZESTE ISSO?"
 A Minha Mãe ensinou-me a SER OBJECTIVO...
"EU CORRIJO-TE DE UMA SÓ VEZ!
A Minha Mãe ensinou-me a ESCUTAR ...
"SE NÃO BAIXAS O VOLUME, EU VOU AÍ E PARTO ESSE RÁDIO!"
A Minha Mãe ensinou-me a TER GOSTO PELOS ESTUDOS...
"SE EU FOR AÍ E NÃO TIVERES TERMINADO A LIÇÃO, VAIS VER O QUE É BOM!
A Minha  Mãe ensinou-me a COORDENAÇÃO MOTORA...
"AGORA ARRUMA TODOS OS BRINQUEDOS!! APANHA UM POR UM!!"
A Minha Mãe ensinou-me os NÚMEROS...
"VOU CONTAR ATÉ DEZ. SE ESSE VASO NÃO APARECER AINDA LEVAS UMA SOVA!

O b r i g a d a   M ã e ! ! !

O baloiço do Mato d'Arca


Mas porque será que esta imagem me faz lembrar um baloiço que havia em casa da Vovó de Cesár, na "loja", onde tantas vezes andei?


28 maio 2019

Biblioteca Itinerante

Hoje trago à memória a Biblioteca Itinerante, da Fundação Calouste Gulbenkian , que durante muitos anos percorreu o país de lés-a-lés, especialmente em aldeias e vilas onde o acesso aos livros e à leitura era inexistente.
Não pretendo aqui fazer a história deste fantástico serviço, até porque há locais onde isso já é feito, como neste sítio, por exemplo, e pela Internet não faltam referências ao mesmo. Apenas de referir que o serviço foi criado pelo administrador da Fundação, Branquinho da Fonseca, em 1958.

O que quero recordar de modo especial é que a visita da Biblioteca Itinerante ao largo da minha terra acontecia uma vez por mês ou de 15 em 15 dias, sempre num dia certo, que agora não recordo, mas tenho ideia de ser a uma quarta-feira, sempre a meio da tarde, e que eu frequentei durante a década de 60. Sei que depois continuou por mais alguns anos, acabando por terminar talvez no início dos anos 90. Sei também que oficialmente o serviço durou de 1958 a 2002. Durante esse período adquiriu cerca de cinco milhões de livros (de todos os géneros) e fez 97 milhões de empréstimos. Os serviços foram então entreguesas às autarquias que serviam.

São inesquecíveis as recordações da chegada da Biblioteca Itinerante, com a sua carrinha enigmática, o modelo Citroen HY (fabricado entre os anos de 1947 a 1981), que só por si irradiava uma magia fascinante. A que vinha à minha terra era de cor cinza (mais ou menos igual à da última imagem). Tinha duas portas na parte traseira que se abriam de par-em-par e uma parte superior que abria para cima, para dar acesso ao fantástico mundo dos livros, da leitura e do fascínio das histórias e das imagens. Essa aura de reino maravilhoso era reforçado pelo tipo de leitura dos primeiros anos, onde preferencialmente eu escolhia livros de contos de fadas, repletos de reinos, reis, rainhas, princesas, gigantes, anões, fadas, feiticeiras e todo o resto da família de seres que povoam o imaginário infantil.

Aos poucos fui deixando as histórias infantis e mergulhei em livros sobre a fauna e flora, repletos de ilustrações maravilhosas e muitos outros livros sobre a terra, a história, as artes e as ciências, romances, a colecçao inteirinha do Julio Verne, etc.
Recordo ainda que aguardávamos pelo dia da visita da Biblioteca Itinerante com justificada impaciência. Todos queriam ser os primeiros a ser atendidos para melhor escolher. 
Lembro-me que eram dois os senhores que acompanhavam a Biblioteca, sendo um o motorista e o outro o encarregado ou revisor, o que anotava as devoluções e as requisições.
Não tenho a certeza quanto ao número de livros que se podia requisitar, mas creio que eram cinco.

Quantas vezes eu fui a esta biblioteca, e arranjava todas as desculpas e mais algumas para levar para casa os livros todos q queria: era em nome da minha mae, da minha tia e dizia q tambem eram livros para os meus irmaos.
Que monte de livros eu levava, alguns metidos numa saca de pao (de pano pq na altura ainda nem se sabia o q era plastico) escondidinhos para ler em casa dos meus tios, enquanto jantava, q eu lá sempre tinha mais liberdade para isso.
Em minha casa podia ler, mas com "conta, peso e medida" e apagava-se cedo a luz, e tambem havia trabalhitos a fazer.
Mas eu era feliz, nao me faltava nada, até tinha livros de historias para ler: a "pousada do anjo da guarda", "o general dourakine", "os desastres de sofia" toda a colecçao azul INTEIRINHA, eu vivia "dentro" dos livros...

Por tudo isto, toda a malta da minha geração tem uma profunda memória e admiração pelo serviço da Biblioteca Itinerante, já que graças a ele viajámos no tempo  por reinos maravilhosos, com histórias fascinantes e aprendemos coisas do mundo que nos rodeia. Enfim, crescemos ajudados por tudo quanto aprendemos através dos livros que num momento mágico chegavam ao largo da aldeia naquelas carrinhas maravilhosas.




10 maio 2019

Um crime do Estado Novo esquecido ha 55 anos


Um crime do Estado Novo esquecido ha 55 anos

A Igreja queria transferir o jovem padre de Lourosa. As mulheres da terra não deixaram. No dia 14 de Outubro de 1964, centenas de GNR cercaram a aldeia, mataram duas jovens e feriram mais 20 e Lourosa ficou com a fama de «antro de comunistas».

Pelas 11h00 da manhã do dia 14 de Outubro de 1964, centenas de soldados da GNR, muitos deles armados com metralhadoras, cercaram a aldeia de Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. Traziam consigo várias ambulâncias, indicando que se preparavam para um confronto potencialmente violento.
Que ameaça representava a pequena povoação de Lourosa, já então conhecida pelas suas fábricas corticeiras, para que o regime tenha montado uma tão gigantesca operação repressiva? Na verdade, nenhuma. A população desejava simplesmente conservar o seu padre, que a hierarquia da Igreja pretendia transferir. Durante algumas semanas, as mulheres de Lourosa organizaram uma vigília permanente, 24 sobre 24 horas, para garantir que ninguém lhes levava o seu pároco. Faziam turnos, com a conivência dos patrões das fábricas, que as deixavam largar o trabalho, e do próprio presidente da junta de freguesia.
Tudo começara no ano anterior, quando o jovem padre Damião, de 26 anos, viera para Lourosa coadjuvar o velho sacerdote da freguesia, Benjamim. Com a morte deste último, em Junho de 1964, Damião assumiu a paróquia, para contentamento da população, que gostava deste padre que visitava as fábricas e só cobrava honorários por baptizados, casamentos ou missas fúnebres a quem tinha meios para os pagar.
Um dia, por meados de Setembro, chega a Lourosa a notícia de que o administrador apostólico do Porto, Florentino de Andrade Sousa, que substituía o então exilado bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, ordenara a transferência de Damião. A população não se conforma. Começa então um braço-de-ferro com as autoridades eclesiásticas, que irá ter um desfecho sangrento a 14 de Outubro, no mesmo dia em que Martin Luther King, de quem poucos habitantes de Lourosa teriam então ouvido falar, recebia o Nobel da Paz.
Por motivos difíceis de explicar, poucos souberam desta matança, nem sequer depois do 25 de Abril de 1974. Mas não restam dúvidas de que a GNR matou duas mulheres, nenhuma delas, aliás, envolvida na vigília, e que baleou mais umas 20, que seriam depois transportadas para os hospitais do Porto.
Margarida Santos, uma das alvejadas, passou três meses no Hospital de S. João. Conta que saiu à rua por curiosidade, a ver o que se passava, e que foi apanhada pelo tiroteio da GNR. Assistida pelo marido, que a acompanhava, foi depois transportada para o Porto e conseguiu sobreviver. Ainda teve tempo de ver tombar perto de si a sua conterrânea Maria de Lurdes de Oliveira, de 17 anos, que teve menos sorte e foi mortalmente atingida. Caiu junto a umas alminhas, onde ainda hoje algumas pessoas da terra, a cada 14 de Outubro, vão colocar velas e rezar.
A algumas centenas de metros, noutro dos muitos caminhos que iam dar à igreja, todos eles barrados pela GNR, Rosa Vilar da Silva regressava a casa, vinda do trabalho. Foi alvejada na cabeça e teve morte imediata. Faria 21 anos no mês seguinte e estava grávida. "A Rosa despegava às 11 e vinha todos os dias a casa fazer o comer", diz Maria Alice Cosme, hoje com 76 anos, garantindo que a vítima "nem sequer estava metida na vigília". Em 1945, tal como em 2009, o dia 14 de Outubro calhou a uma quarta-feira. Rosa ia casar-se no sábado seguinte.
O tiroteio, que se estendeu por toda a aldeia, durou duas ou três horas, até que, finalmente, a GNR partiu, levando consigo o padre. "Havia muita gente ferida, a tirar balas dos braços, da barriga", recorda Maria Alice. Uma bomba adormecida
Reconstituir com algum detalhe os acontecimentos do dia 14 de Outubro não é fácil. A imprensa daépoca não pôde noticiar o assunto e muitos dos habitantes de Lourosa que testemunharam a matança não querem reavivar, 45 anos depois, um episódio doloroso e que se esforçaram por enterrar. Acresce que praticamente ninguém terá tido uma perspectiva global do que estava a passar-se: cada um assistiu apenas ao que ocorreu no local onde se encontrava nessa manhã.
Na manhã de 14 de Outubro, Américo vinha a descer o caminho do Calvário, que ia ter ao largo da igreja. Dirigia-se à sociedade columbofila de Lourosa, cujo bar era gerido por um seu irmao. O pai de ambos tambem le estava, a dar uma ajuda ao filho. A associaçao ficava em frente à igreja e tinha paredes meias com o Café Central, que ainda hoje existe, mas que, na época, tinha um grande pátio à entrada.
Depois de ter estado algumas semanas no centro paroquial, guardado pelas mulheres da terra, o padre Damião tinha-se instalado, uns dias antes, na casa de uma senhora da aldeia, D. Altamira, que morava por cima do dito Café Central. A vigília mudara-se, pois, para o pátio do café.
Todo o dia e toda a noite, mantinha-se ali um grupo de mulheres, a quem a população trazia alimentos e bebidas. Quando havia alguma novidade a dar aos habitantes, ou se aparecia algum desconhecido a rondar nas imediações, os sinos da igreja tocavam a rebate e todas as operárias saíam das fábricas e acorriam ao local da vigília.
Américo vinha mandado pela mãe, que, ao ver passar a GNR em camiões militares, receou que o marido pudesse ter alguma reacção impensada. Mas, ao aproximar-se do largo da povoação, o rapaz encontrou, a tapar-lhe o caminho, "uns 20 ou 30 guardas, com grandes capacetes e armas aperradas". Como não podia passar, atravessou uns silvados e entrou pelas traseiras da casa onde o pai se encontrava. Este enfiou-o numa caixa, e foi dentro dela, sem poder assistir a nada - mas ouvindo "um grande tiroteio" -, que Américo viveu o seu 14 de Outubro. Quando finalmente as coisas se acalmaram e pôde sair, ainda viu, estendida no chão, Rosa Vilar da Silva, que fora alvejada ali perto. Não sabia ainda que Lurdes de Oliveira, filha de um primo do seu pai, tivera a mesma sorte.
Américo diz que a primeira coisa que a GNR fez foi deitar a mão ao homem encarregado de tocar os sinos, e congratula-se por isso, já que, doutro modo, centenas de operárias teriam saído das fábricas e a catástrofe poderia ter sido muito mais grave. Também nunca ouviu dizer que as mulheres tenham esboçado qualquer resistência, e está convencido de que não existia a menor motivação política por trás do movimento. Damião era um padre com uma atitude democrática, mas não constava que fosse do reviralho, como então se dizia.
Uma das mulheres que foram feridas no tiroteio, D. Dorinda, contou a Rosa Silva uma história um pouco diferente. Tinha 14 anos e, tal como Américo, já trabalhava na cortiça. Diz que ouviu tocar os sinos e que, por isso mesmo, saiu com as restantes trabalhadoras para ver o que se passava. Também elas encontraram a GNR a tapar o caminho e, ao que afirma, algumas mulheres atiraram-lhes pedras. Um dos guardas ausentou-se então para telefonar a pedir ordens, e, passado uns momentos, a população foi avisada de que, a partir daquele momento, os soldados atirariam a matar. Atingiram de imediato uma mulher nas pernas e impediram que lhe fosse prestado auxílio. Seguiu-se uma rajada de tiros e Dorinda foi apanhada pelo ricochete de uma bala, tendo acabado por ser assistida numa ambulância que já se encontrava no local.
Há também versões diferentes sobre a posição assumida pelo próprio padre Damião. Uns dizem que o padre tentou convencer a população a deixá-lo partir, garantindo que procuraria persuadir os seus superiores a permitir-lhe que voltasse. Mas, segundo Alice Cosme, Damião terá indirectamente contribuído para o movimento que se formou, ao, alegadamente, ter dito na missa que, "se as mulheres de Lourosa quisessem, ele não iria embora". Damião, actualmente pároco em Agrela, ainda é vivo e o seu testemunho poderia ser muito esclarecedor, masnão quer falar sobre o caso.
Hoje com idade muito avançada, está também vivo aquele que era, na época, o seu superior directo, o padre Julião Pires Valente, vigário de Paços de Brandão, que, nos dias imediatamente anteriores à tragédia, tentou falar com Damião na casa onde este se encontrava. Numa breve declaração a Rosa Silva, confirma a tentativa, mas diz que não chegou a sair do carro, porque se sentiu ameaçado - as mulheres batiam-lhe com os guarda-chuvas no tejadilho -, e que se limitou a informar da situação o bispo do Porto.
Enquanto durou a vigília, os habitantes de Lourosa foram várias vezes avisados de que estavam a pisar o risco e que poderiam sofrer consequências desagradáveis. Veiga de Macedo, que fora ministro das Corporações de Salazar e era natural da região, dava-se com vários industriais de Lourosa e, segundo Américo Teixeira, terá dito a alguns deles: "Olhai o que fazeis, que isto já cheira mal, já estais assinalados a vermelho como uma aldeia problemática."
Fora já este mesmo padre Julião que, mal se formara o movimento contra a transferência de Damião, requerera a intervenção das autoridades, segundo se depreende de uma nota que o Governo Civil de Aveiro fez publicar n"O Comércio do Porto, a 17 de Outubro: "A autoridade concelhia foi desde logo posta ao corrente dos acontecimentos pelo reverendo vigário do concelho, que solicitou a necessária intervenção policial." A nota adianta que, "depois do último convite à boa razão, a GNR procedeu à libertação do reverendo padre", e lamenta que, para responder "aos diversos ataques e às pedradas da população enfurecida", tenha tido de disparar "alguns tiros para o ar" e que, "na luta", tenham "aparecido duas mulheres gravemente feridas que, lamentavelmente, vieram a falecer".
Sujeita a censura, a imprensa não pôde dar outra versão dos acontecimentos, mas a história correu, tendo mesmo chegado às comunidades de emigrantes lourosenses no Brasil e na Venezuela. Já em Novembro, o Correio da Feira publicou uma pequena nota intitulada "Explicação", dando conta de que o jornal tinha recebido muitas cartas e telefonemas de "amigos e assinantes" de Lourosa, e também dos "filhos de Lourosa" no estrangeiro, estranhando que não tivesse sido feita "qualquer referência ao que de anormal ali ocorreu recentemente". O Correio da Feira garante que "sente profundamente o que ocorreu", mas sem a menor referência concreta à ocorrência em causa.
Houve, no entanto, um jornal que contou o essencial da história, embora não tenham sido provavelmente muitos os lourosenses que o leram. No seu número de Novembro de 1964, o Avante!clandestino inclui um artigo, com o título "Um crime premeditado", que abre assim: "Como é já do conhecimento geral, no passado dia 16 (a data correcta é 14), a vila da Lourosa foi atingida pela fúria do governo salazarista. O sangue inocente de duas mulheres e uma criança (possível alusão à gravidez de Rosa Vilar da Silva) e, segundo se afirma, de mais duas pessoas, e ainda de cerca de duas dezenas de feridos, alguns dos quais gravemente, correu nas ruas da laboriosa vila do concelho de Vila da Feira." E o texto prossegue: "Porquê tão nefando crime? Simplesmente porque a população desejava que lhe deixassem o padre da freguesia, que, em vez de transformar a paróquia em centro de exploração, se esforçava por ajudar os mais necessitados." O Avante! termina apelando à população de Lourosa que se mantenha unida "para exigir o castigo dos criminosos e para que sejam concedidas indemnizações às famílias das vítimas".
É natural que o PCP tenha divulgado um episódio que embaraçava o regime. Mas era uma luta de motivações religiosas e na qual não tinha tido qualquer influência, de modo que a imprensa do partido não voltou a referir o assunto, nem procurou transformar as duas vítimas mortais em mártires do fascismo.
No entanto, se ignorarmos a repressão nas colónias, foi um dos crimes mais bárbaros e despropositados do Estado Novo. O historiador Fernando Rosas, especialista no período, diz que, embora fossem frequentes os incidentes em que as populações resistiam à transferência de padres, não recorda nada com a dimensão deste caso de Lourosa, que desconhecia.
Mas, apesar de reconhecer a singularidade do episódio, e sublinhe o facto invulgar de ter sido a Igreja a solicitar a intervenção policial, lembra que se viviam então "anos de chumbo" e que se trata de "um período de grande repressão", que inclui "o assassinato de Humberto Delgado, o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores e a prisão de muitos estudantes, que, pela primeira vez, começam a ser torturados na cadeia".
Que os lourosenses, depois da repressão brutal de 14 de Outubro, se tenham calado, não surpreende. O que é bastante mais estranho é que, logo após o 25 de Abril, quando toda a gente recordava os crimes do salazarismo, a história tenha permanecido por contar. Há várias explicações possíveis: os anos que tinham decorrido, o facto de muitos protagonistas ainda estarem vivos - incluindo, porventura, os guardas que dispararam as armas que mataram Rosa e Lurdes -, ou mesmo o facto de Lourosa ter tido, durante o PREC, uma sucessão de padres "esquerdistas", que a população aceitou muito mal e dos quais pode ter querido esconder um episódio que, de algum modo, legitimaria o radicalismo ideológico que alegadamente levavam para o púlpito.
Em 1989, o lourosense José Lima editou um pequeno opúsculo, de tom assumidamente panfletário, no qual narra o essencial do que se passou a 14 de Outubro, mas o texto quase não teve divulgação, e mesmo na actual cidade de Lourosa serão poucos os que alguma vez o leram.
Alice Cosme diz que, muitos anos depois dos acontecimentos de 1964, os habitantes tinham ainda fama de "terroristas" e eram olhados de revés pelas populações das freguesias vizinhas. "Quando havia futebol em Lamas, os polícias que iam vigiar o jogo tinham de passar por aqui e, quando chegavam, como eram poucos, mantinham sempre as espingardas apontadas, com medo do povo."