12 dezembro 2018

Hoje invadiu-me a nostalgia

(texto da minha irmã mais nova)

Hoje invadiu-me a nostalgia. Talvez tenha sido o nevoeiro o responsável.Dizem que faz mal aos ossos - o nevoeiro, não a nostalgia, claro.
Em criança adorava o nevoeiro.
Eram dias de um fresco/suave. Ficava como que numa terra de esconde-esconde. Quanto mais cerrado mais interessante. Na minha mente não havia lugar para males de ossos, acidentes de viação...nada disso. Às vezes sentia-me quase invisível – tive sempre uma fértil imaginação.
Cheguei a imaginar-me num mundo de nevoeiro. Tentava fazer desenhos no ar, como o fazia na vidraça embaciada, mas não surtia qualquer efeito.
Era um tipo de algodão doce imaginário. Apetecia-me pegar em pedaços e degustá-los suavemente, ficando com aquela agua doce na boca até ele se desfazer. Depois, discretamente limpava os dedos ao vestido, não sem antes os ter lambido muito bem, não fosse perder-se algo. A seguir vinha a sede louca fruto do excesso de açúcar.Com sorte, talvez me dessem um gelado (sorvete) de banana. Idolatro o chocolate, mas aqueles gelados... eram assim um misto de leite com banana - tipo batido - mas em gelado, e de uma textura aveludada. Deveria ser proibido perderem-se esses sabores que nos marcam a infância.

Também deveria ser proibido ficarmos órfãos.

(para os meus pais, com saudades)

a.


07 outubro 2018

Primeiro dia de escola

...faz hoje anos que eu fui pela primeira vez à escola. tinha apenas 6 anos e o meu pai teve que tirar uma licença para eu poder entrar, pois só quem tivesse 7 anos entrava na 1ª classe. ia bastante apreensiva, pois nao sabia o que ia encontar pela frente.
fui com o meu pai, com uma bata cor-de-rosa impecavelmente passadinha a ferro e com um grande laçarote no cabelo. quando lá chegamos fomos recebidos pela minha professora, a quem o meu pai me entregou com as seguintes palavras que até hoje nao esqueci: "dona maria da luz esta é a minha filha, se ela se portar mal a senhora "dê-lhe" que aqui na escola é a senhora que lhe dará a educaçao!"
realmente "apanhei" muito, era traquina, mas NUNCA por nao saber, pois fui sempre uma boa aluna...

18 agosto 2018

partida

18 Agosto 1951

Ingrata esta vida, que nos faz amar e partir.
Mas que seríamos nós sem o amor? Que seríamos nós sem as memorias afectivas?
Recordar-te-ei para sempre - quando ouvir as rolas, os sinos da igreja, as Pascoas e os Natais.
Saudades dos que planam na linha do horizonte.
Saudades de ti já.

(para Olguita)
com carinho
a.


02 julho 2018

O Doutor "Prata" António Carlos Ferreira Soares

DOUTOR PRATA

O Dr. Antonio Carlos Ferreira Soares nasceu no dia 5 de Fevereiro de 1903 em Viana de Castelo, no seio de uma família distinta. Quis o destino que o “Dr. Prata” (como era conhecido pelos populares) vivesse num período marcado pela limitação da liberdade. Médico de formação, as suas qualidades transcendiam a do simples terapeuta que tratava os doentes. A sua vontade de liberdade e capacidade de escrita encaminham-no para a Revista Seara Nova, principal meio de divulgação das ideias anti-salazaristas. A 22 de Setembro de 1936 assume-se finalmente como lutador pela liberdade. Certamente foi uma decisão extremamente reflectida, já que as consequências desta decisão eram terríveis.A partir deste momento passa a ser alvo de perseguição e a clandestinidade é a única solução. Viver na clandestinidade significa perder a família, o nome, a casa e a tranquilidade. Nestes primeiros anos de ditadura, a perseguição a opositores do regime é tremenda.
Todos os que expressam opiniões divergentes das de Salazar são condenado à prisão e mesmo à morte. Os seus esconderijos favoritos localizavam-se na freguesia que o viu crescer como Homem de ideais democráticos. Um dos locais era a Igreja da freguesia. O pároco Abel escondia o amigo. Outro dos locais prediletos de refúgio era a Japoneira do cemitério de Nogueira da Regedoura.
O “Dr. Prata” tinha o dom da palavra. Numa manhã de Fevereiro de 1940, no funeral de uma jovem de 22 anos, o Dr. Carlos Ferreira Soares provoca um sentimento de revolta nos populares. As lágrimas e os aplausos misturam-se quando o Senhor doutor explica que as razões da morte desta jovem. A fome e a miséria que este regime implementou às populações mais desfavorecidas. Quando a Polícia política chega já o “Dr. Prata” tinha fugido. Mesmo na clandestinidade o médico prestava apoio às populações. Era médico na Associação Fúnebre de Socorros Mútuos de Grijó e fornecia medicamentos gratuitos. Esta vontade de ajudar levou-o à morte. Os seus disfarces duravam pouco tempo. Certa noite, dois agentes disfarçados de vendedores de cera aparecem numa mercearia vizinha da Associação. Questionam um jovem, que por lá estava, sobre os médicos que prestavam serviço na Colectividade e conseguem todas as informações que necessitavam.
Poucos dias depois, seis agentes estavam, ingenuamente, nas imediações da Associação. Tanta gente desconhecida numa terra pequena levantou suspeitas e rapidamente a população percebeu o que se estava a passar. O Dr. Carlos refugia-se rapidamente na casa mais próxima.
Não teve a mesma sorte no dia 2 de Julho de 1942. Foi morto com vários tiros de metralhadora à queima-roupa.
A Japoneira foi cortada. Nogueira da Regedoura estava de luto. A rede da Polícia Secreta funcionou outra vez. Mais um lutador pela liberdade se calava às mãos do Regime Salazarista. Muitos outros haveriam de morrer. Nos próximos tempos sairá um livro bastante completo sobre a vida deste lutador escrito pelo Dr. Armando Silva, co-autor da Monografia de Nogueira da Regedoura. O mais grotesco nisto tudo é que ainda existem portugueses (e muitos) que votam em Salazar como o maior português de sempre.



Logo após o assassinarem a PIDE, deixou o corpo numa casa de saúde, enquanto festejava numa pastelaria da rua 19 em Espinho “Ponto Chic”, onde o dono Elias Tavares abriu garrafas de champanhe celebrando com a PIDE ente gargalhadas e gritos “morte aos comunistas!”
Há testemunhos vivos. O camarada Russo o garoto das mensagens, actualmente com 78 anos e mantendo ainda hoje “tudo na cabeça sem se esquecer”, para além da família, vizinhos, camaradas e amigos. O povo em Nogueira da Regedoura e Espinho, quando soube do assassinato gritava entre soluços: “MATARAM O MEDICO DOS POBRES!” Não são histórias, muito menos mitos!
A História do PCP foi/é feita, com homens e mulheres de honra, Resistentes. Ainda hoje, nos devemos curvar pelo respeito que nos merecem! Felizmente, muitos desses Heróicos Resitentes estão vivos, para nos poderem contar! É o branqueamento do fascismo que estão a fazer. Este governo, agradece!


O livro, completamente esquecido, de A. Ferreira Soares, Casa Abatida , reeditado pela Guimarães nos anos cinquenta (?), tem uma dedicatória "à memória do seu filho o médico Antonio Carlos Ferreira Soares". Não é comum um pai dedicar um livro a um seu filho adulto, nem que este o seja à "memória", ou seja a um morto. Mas António Carlos Ferreira Soares não morreu de morte natural, mas sim assassinado pela PIDE em Julho de 1942.

(O Dr. Antonio Carlos Ferreira Soares era primo do meu pai, 14 anos mais velho)


FADO DA JAPONEIRA

I
Japoneira, Japoneira
Do cemitério de Nogueira
São meigas tuas folhinhas
Estás caladinha e não ralhas
Diz-me entao quem agasalhas
Debaixo dessas ranquinhas!
II
Ó japoneira querida
Por todos és conhecida
É tão triste a tua ausência
Tu, japoneira com dores
Vais deitando tuas flores
Em cima da inteligência.
III
Os teu botões cor de ouro
Quis ter aos pés teu tesouro
O que abraçou rico e pobre
E tu, linda japoneira
Vais com as raízes à beira
Do berço da alma nobre!
IV
As tuas flores encarnadas
Sao lagrimas orvalhadas
Sempre a cair nesse chao
Sao tao brandas e tao belas
Que o povo tem o mais delas
Metidas no coraçao
V
Ó raíz que vais andando
Por sobre terra mimando
Quer-lhe chegar com as pontinhas
Ao amigo que eu conheço
Faz-me o favor que eu te peço
É dar-lhe saudades minhas
VI
Ó raparigas casadas
Que vos achais magoadas
E o coração em pedaços
Lembrai-vos dessas mãozinhas
Tantas mães e criancinhas
Foram salvas nesses braços
VII
Ó noites amarguradas
Tantas delas pernoitadas
À sombra do acipreste
Às vezes fico a pensar
Que ainda has-de gozar
O bem que por cá fizeste
VIII
Essa tragédia hedionda
Onde oculta a negra sombra
Nao deixeis de ir a Nogueira
Ide ver as flores bonitas
Quando vos vires aflitas
ide ao pé da Japoneira
IX
Ó Pedreira da Murraça
Que nao vejo o que te faça
Dou-te todo o meu prestigio
Tantas noites tantos dias
Fugindo ao inimigo
Foste o meu esconderijo
X
O regime de um carrasco
Que para o povo foi mais fraco
Como diz o vocabulário
Eu aqui vos deixo dito
Que muito me vi aflito
Este pobre Apolinário
XI
Morre o rico, morre o pobre
Morre o berço da alma nobre
O morrer é uma carreira
Morre o homem da ciência
Morre a grande inteligência
Morre também a japoneira

(Apolinario Gonçalves)
Julho de 1942

***

Uma árvore à Beira do Caminho

Perto de Espinho havia uma árvore
havia uma árvore à beira do caminho
E havia um buraco naquela árvore
perto de Espinho.

(E o povo sabia que havia um buraco
naquela árvore à beira do caminho.)

Mas quando vieram os embuçados
à procura dum médico em terras de Espinho
o povo calou-se não disse nada.
(E o povo sabia que havia um médico
naquela árvore à beira do caminho.)

Esta é uma história que todos sabem
em terras de Espinho.
Esta é história duma árvore
à beira do caminho

Era noite cerrada noite negra
era noite de morte no caminho.
E de repente chegaram os embuçados:
procuravam um médico em terras de Espinho.

Era noite sem lua noite de emboscada
noite de um homem não andar sozinho.
Por isso o povo não disse nada:
era noite de embuçados no caminho.

Disseram ao povo que havia um ferido.
Mostraram as mãos: seria sangue? seria vinho?
E ninguém foi chamar o médico escondido
naquela árvore à beira do caminho.

Era noite sem lua noite de sangue
era noite de esperas no caminho
Embuçados chegaram. Embuçados partiram
Procuram um médico em terras de Espinho

Já corre um mensageiro para aquela árvore
à beira do caminho
Há embuçados. falaram dum ferido
Mas o sangue que vimos era vinho

Já o médico sai do seu buraco
naquela árvore à beira do caminho.
(Ai a noite sem lua
aí o sangue tem a cor do vinho)

Catorze balas o esperavam
catorze balas o mataram nessa manhã em Espinho
as mãos do povo vinham florir
aquela árvore à beira do caminho.

Mas todos os anos na mesma manhã
em que o sangue corre nessa aldeia de Espinho
as mãos do povo vinham florir
aquela árvore à beira do caminho.

Mas no dia seguinte no mesmo dia
em que havia uma árvore (perto de Espinho)
as mãos do povo vieram plantar
outra árvore à beira do caminho.

De quando em quando voltam os embuçados
e cortam a árvore do povo de Espinho.
Mas há sempre alguém para plantar
outra árvore à beira do caminho.

29 maio 2018

Fausto Neves

Oriundo de uma família com tradições musicais, Fausto Neves (neto do maestro Fausto Neves, autor da musica "Senhora da Paz" - Miraculosa) iniciou os seus estudos na Academia de Música de Espinho — sua terra natal — e completou-os no Conservatório de Música do Porto, na Universidade Laval (Canadá) e no Conservatório de Música de Genève (Suíça). Nesta última escola, concluiu o Prémio de Virtuosidade, aprofundou também os seus conhecimentos nos domínios da Música de Câmara e da Análise Musical e foi admitido no seu corpo docente. Discípulo de Helena Costa, estudou ainda com os pianistas Robert Weizs, no Canadá, e Harry Datyner, na Suíça.

Frequentou seminários com Sequeira Costa, Moura Castro, Josef Palenicek e Jörg Demus. Apresentando-se em público desde muito cedo, estreou-se como solista da Orquestra Sinfónica do Porto aos catorze anos, sob a direcção do maestro Silva Pereira. É convidado frequente das mais importantes organizações e festivais de música nacionais, tendo actuado ainda na Suíça, no Canadá, em Espanha, na França, no Brasil e na Itália, e gravado para a RTP, RDP e TV Cultura (Brasil). Colaborou ainda com os maestros Arpad Gerezs, Gunther Arglebe, Graça Moura, Álvaro Salazar, Kamen Goleminov e Marc Tardue. Dos inúmeros instrumentistas com quem colaborou em Música de Câmara destacam-se a violoncelista Gisela Neves (CD "Alla Danza"), o pianista Álvaro Teixeira Lopes e, integrando o quarteto de dois pianos e percussão, o pianista Pedro Burmester e os percussionistas Miguel Bernat e Manuel Campos.

A sua actividade docente desenrolou-se nos Conservatórios de Música de Sion e de Genève (Suíça), no Conservatório de Música do Porto, na Academia de Música de Espinho, na Escola Superior de Música do Porto, na Escola Profissional de Música de Espinho e na Universidade de Aveiro. Foi assistente da pianista Helena Costa nos Cursos de Música de Espinho e é solicitado frequentemente a reger Cursos de Interpretação e de Pedagogia Pianísticas em Portugal e no estrangeiro. Detentor do 1º Prémio do Concurso "Cidade da Covilhã", entre outras recompensas, é regularmente convidado a integrar júris de concursos nacionais e internacionais.



13 maio 2018

A Miraculosa

SÚPLICA À SENHORA DA PAZ

(Miraculosa)

Nossa Senhora, Mãe de Jesus,
Dá-nos a graça da tua luz.
Virgem Maria, Divina Flor,
Dá-nos a esmola do teu amor.

Miraculosa, Rainha dos céus
Sob o teu manto tecido de luz,
Faz com que a guerra se acabe na terra
E haja, entre os homens, a paz de Jesus. 

Nossa Senhora, Mãe de Jesus,
Dá-nos a graça da tua luz.
Virgem Maria, Divina Flor,
Dá-nos a esmola do teu amor.

Se em teu regaço, bendita Mãe,
Toda a amargura remédio tem,
As nossas almas pedem que vás,
Junto da guerra, fazer a paz!

Pelas crianças, flores em botão...
Pelos velhinhos sem lar nem pão..
Pelos soldados que à guerra vão...
Senhora escuta nossa oração!

Miraculosa, Rainha dos céus
Sob o teu manto tecido de luz,
Faz com que a guerra se acabe na terra
E haja, entre os homens, a paz de Jesus.

Almas no exilio da escravidao
Pedem auxilio da Tua mao 
E vao de rastos por toda a parte
De olhos nos astros, a procurar-Te!

Se a Tua Graça, por onde passa
Vence a desgraça mais desgraçada,
Nesta amargura que nos tortura
Põe a doçura duma alvorada!

Miraculosa, Rainha dos céus
Sob o teu manto tecido de luz,
Faz com que a guerra se acabe na terra
E haja, entre os homens, a paz de Jesus.

Fausto Neves (musica)
Carlos de Moraes (letra)

O original da musica está no Santuario de Fatima e foi entregue ha 32 anos por Mário Neves, filho de Fausto Neves




A minha prova da 4ª classe (1958)




29 janeiro 2018

a visita

(texto da minha irmã mais nova)

a visita

Sempre impecavelmente aprumada, outrora andaria numa azafama, entre a loja, que ficava na frente da casa, e os afazeres domesticos.
Recebia-nos com alegria, mas nao nos dava prioridade, primeiro estava o negocio.
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Tudo estava irreconhecivel. Agora tinhamos que ultrapassar várias rotundas até chegar à aldeia. Foi bom a Ró ter ido comigo. Nas entrelinhas dos seus profundos suspiros de “ai-meu-deus”, dava-me instruções: vira aqui, vira ali - caso contrário ter-me-ia perdido.
O jardim da frente da casa também estava encurtado, por causa da estrada. Ainda bem que sobrara espaço para manter as roseiras.
Recuei no tempo.
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Às vezes conseguimos recuar no tempo e ficarmos inocentes. Conseguimos imaginar que tinha sido bom ali. Noutra altura teria conseguido recuar até àquela tarde de férias de verão quente.
A igreja ainda era visível dali.
Sentamo-nos todos à roda de uma mesa no jardim. Havida limonada fresca, com água do poço. O som das rolas chegavam até nós, pena que o das galinhas também.
Os pátios tinham sido regados com água para tornar tudo mais fresco, Depois do fausto almoço, e sem vontade para lancharmos, havia quem já se atrevesse a elaborar a ementa do jantar. Depois de algumas sugestões eliminadas conseguiu-se reduzir o menu para uma salada russa (que iria ser servida bem fria) com uns filetes de pescada fresca. Para a sobremesa haveria pão-de-ló e melão fresco.
Fui muito feliz naquela casa.
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Recuei no tempo e senti pesar.
Abrimos o portão, torneamos a casa.
A empregada tratava da roupa e disse – ela hoje está melhorzinha, já desceu mas subiu de novo.
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Quando me viu, no seu ar canónico tentou esboçar um sorriso de alegria. Talvez até fosse um grande sorriso, já não tinha força para o transmitir por esgar.
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(para O.)

a.