28 maio 2019

Biblioteca Itinerante

Hoje trago à memória a Biblioteca Itinerante, da Fundação Calouste Gulbenkian , que durante muitos anos percorreu o país de lés-a-lés, especialmente em aldeias e vilas onde o acesso aos livros e à leitura era inexistente.
Não pretendo aqui fazer a história deste fantástico serviço, até porque há locais onde isso já é feito, como neste sítio, por exemplo, e pela Internet não faltam referências ao mesmo. Apenas de referir que o serviço foi criado pelo administrador da Fundação, Branquinho da Fonseca, em 1958.

O que quero recordar de modo especial é que a visita da Biblioteca Itinerante ao largo da minha terra acontecia uma vez por mês ou de 15 em 15 dias, sempre num dia certo, que agora não recordo, mas tenho ideia de ser a uma quarta-feira, sempre a meio da tarde, e que eu frequentei durante a década de 60. Sei que depois continuou por mais alguns anos, acabando por terminar talvez no início dos anos 90. Sei também que oficialmente o serviço durou de 1958 a 2002. Durante esse período adquiriu cerca de cinco milhões de livros (de todos os géneros) e fez 97 milhões de empréstimos. Os serviços foram então entreguesas às autarquias que serviam.

São inesquecíveis as recordações da chegada da Biblioteca Itinerante, com a sua carrinha enigmática, o modelo Citroen HY (fabricado entre os anos de 1947 a 1981), que só por si irradiava uma magia fascinante. A que vinha à minha terra era de cor cinza (mais ou menos igual à da última imagem). Tinha duas portas na parte traseira que se abriam de par-em-par e uma parte superior que abria para cima, para dar acesso ao fantástico mundo dos livros, da leitura e do fascínio das histórias e das imagens. Essa aura de reino maravilhoso era reforçado pelo tipo de leitura dos primeiros anos, onde preferencialmente eu escolhia livros de contos de fadas, repletos de reinos, reis, rainhas, princesas, gigantes, anões, fadas, feiticeiras e todo o resto da família de seres que povoam o imaginário infantil.

Aos poucos fui deixando as histórias infantis e mergulhei em livros sobre a fauna e flora, repletos de ilustrações maravilhosas e muitos outros livros sobre a terra, a história, as artes e as ciências, romances, a colecçao inteirinha do Julio Verne, etc.
Recordo ainda que aguardávamos pelo dia da visita da Biblioteca Itinerante com justificada impaciência. Todos queriam ser os primeiros a ser atendidos para melhor escolher. 
Lembro-me que eram dois os senhores que acompanhavam a Biblioteca, sendo um o motorista e o outro o encarregado ou revisor, o que anotava as devoluções e as requisições.
Não tenho a certeza quanto ao número de livros que se podia requisitar, mas creio que eram cinco.

Quantas vezes eu fui a esta biblioteca, e arranjava todas as desculpas e mais algumas para levar para casa os livros todos q queria: era em nome da minha mae, da minha tia e dizia q tambem eram livros para os meus irmaos.
Que monte de livros eu levava, alguns metidos numa saca de pao (de pano pq na altura ainda nem se sabia o q era plastico) escondidinhos para ler em casa dos meus tios, enquanto jantava, q eu lá sempre tinha mais liberdade para isso.
Em minha casa podia ler, mas com "conta, peso e medida" e apagava-se cedo a luz, e tambem havia trabalhitos a fazer.
Mas eu era feliz, nao me faltava nada, até tinha livros de historias para ler: a "pousada do anjo da guarda", "o general dourakine", "os desastres de sofia" toda a colecçao azul INTEIRINHA, eu vivia "dentro" dos livros...

Por tudo isto, toda a malta da minha geração tem uma profunda memória e admiração pelo serviço da Biblioteca Itinerante, já que graças a ele viajámos no tempo  por reinos maravilhosos, com histórias fascinantes e aprendemos coisas do mundo que nos rodeia. Enfim, crescemos ajudados por tudo quanto aprendemos através dos livros que num momento mágico chegavam ao largo da aldeia naquelas carrinhas maravilhosas.